Um saltinho prá relaxar ...
Há muito tempo que eu tinha vontade de fazer um passeio sentado em cima da asa do PP-DQX, um velho Cessna 195B fabricado em 1948, asa alta, e que tivera seu motor original de 275 HP substituído por um de 450 HP, tirado de um Beech Bee.
A equipe Para-brisas de TRV tinha dado seu último salto de treinamento naquele fim de tarde de março de 1986. Tínhamos por norma fazermos sempre um salto de descontração antes de voltarmos para o hotel.
O nosso treinamento era muito puxado e como ficávamos um bom tempo navegando a grande altitude e portanto, com débito de oxigênio, sentíamo-nos mental e fisicamente cansados e um saltinho sem compromisso era sempre bom no final do dia.
Estávamos no Centro Nacional de Paraquedismo em Boituva-SP, treinando para o Campeonato Brasileiro e o piloto e proprietário do PP-DQX, provavelmente o mais famoso avião lançador de paraquedistas do Brasil, era o não menos famoso Ulisses, piloto super-experiente, excelente mecânico e exímio fazedor de PS, o que nos deixava sempre com uma preocupação a menos : pensar no ponto de saída.
Tudo combinado, subimos eu (Fideles), o Tunico (Antônio Lage) do Rio de Janeiro e o Maurício Catelli de São Paulo.
Ao chegarmos a 10 mil pés, saí prá fora do avião e comecei a escalada rumo à parte de cima da asa.
Quando metade do meu corpo já tinha ultrapassado o bordo de ataque da asa, o avião começou a vibrar e ficar de nariz prá baixo. O profundor do avião, que sob a minha perspectiva deveria estar mais ou menos na linha do horizonte, estava a uns 45 graus para cima.
Para tentar nivelar o avião, o Ulisses tinha que dar potência no bravo motor do DQX, o que me deixava prensado na asa, com o bordo de ataque dividindo meu corpo ao meio. Não conseguia me mover e era só o Ulisses tentar aliviar um pouco a potência do motor e o avião embicava novamente prá baixo e vibrava com a turbulência que era gerada pelo ar contornando meu corpo e atingindo o profundor.
Dentro do avião, o Ulisses, com aquela risada conhecida dizia : “hehehe, estou perdendo o controle, hehehe” já com o manche colado na barriga. O Tunico e o Mauricio estavam apavorados pois tudo tremia!
Ficamos um bom tempo nessa situação até que senti um puxão violento no meu corpo e me vi em queda livre.
O Tunico tinha, com muito esforço, saído prá fora do avião e agarrando minhas pernas me puxou prá baixo.
Abrimos os paraquedas e logo eu e o Maurício fizemos um biplano em TRV. Virei-me de ponta-cabeça no equipamento e quando o Tunico se aproximou, peguei seu velame com as mãos e fui descendo pelas linhas do seu paraquedas. E tudo isso sendo gravado em vídeo pelo mesmo!
De cabeça prá baixo, cumprimentei o Tunico, falei umas gracinhas prá câmera e o soltei.
O Mauricio e eu fizemos então um side-by-side e o Tunico ficou a uns 20 metros atrás da gente, filmando a formação.
Foi então que vimos, estupefatos, o PP-DQX cruzando a nossa frente. O avião passou a no máximo 15 metros de distância da gente. Foi tão perto que deu prá ver nitidamente o Ulisses na janela, olhando pelo visor da câmera fotográfica e tentando tirar uma foto da formação! ( É bom esclarecer aqui que o pedido da foto tinha sido nosso, mas não de tão perto assim!!! rs...).
Ficamos em silêncio por um tempo, sem acreditar no que tinha ocorrido.
E pela posição que o Tunico estava, eu tinha certeza de que ele tinha gravado tudo em vídeo!
Nos separamos do side-by-side e fomos prá pouso. Sentamo-nos no chão, embaixo de uma árvore e de tão adrenalados e esgotados, praticamente não falamos nada.
Eu, que sempre tive o costume de registrar todas as minhas aventuras, só pensava no vídeo!
Como todos os que conhecem o Ulisses (o famoso Alemão) sabem, ele tem a pele bem vermelha. Pois bem, o Ulisses se aproximou de nós e estava branco como cera!
Ficamos um bom tempo ali, pensando e comentando o que tinha ocorrido e então aconteceu uma das maiores frustrações da minha vida...
Descobrimos que tinha dado pau na câmera e nada tinha sido gravado ...
Confesso que agora, depois de tantos anos e sabendo que essa história vai ser compartilhada por tanta gente pelo maravilhoso invento da Internet, não me incomoda mais a lembrança do defeito na câmera!
Por
José Fideles
|